quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Educação na mídia

A letra cursiva está com os dias contados?

Ela está sendo abandonada nos Estados Unidos, mas no Brasil escrever à mão ainda impera no período de alfabetização

Fonte: Gazeta do Povo (PR) em 23 de Agosto de 2011.

Aos 4 anos, Laura Paludzyszyn D’Avila Cargnin já sabia escrever usando o computador. Isso porque adorava um jogo on-line que exigia a associação de letras e figuras. Durante o 1.º ano do ensino fundamental não teve problemas na Escola, mas assim que Laura passou para o 2.º a dor de cabeça começou.

“Ela teve de começar a escrever a letra cursiva e a usar um caderno de caligrafia, o que odiava”, conta a mãe de Laura, a empresária Ana Paula Palu­­dzyszyn. Hoje, com 8 anos e no 3.º ano, Laura está mais habituada à letra de mão, e feliz da vida por ter aposentado o caderno de caligrafia.

“Ela aprendeu a escrever das duas formas, mas faz confusão com a letra cursiva, pois cada um enfeita de um jeito, faz voltinhas nas letras, então ela tem dificuldade”, conta a mãe. 


Nos Estados Unidos, cada vez mais as crianças não precisam se preocupar com as letrinhas desenhadas e a bela caligrafia. A exigência e o ensino da letra cursiva perde força na maior parte dos estados e dá lugar à letra de forma e à digitação.


Com o crescente contato com novas tecnologias, como celulares, computadores e tablets, essa tendência de abandono da letra cursiva e a adoção maior da letra de forma (que também é chamada de letra bastão ou de máquina) tornam-se cada vez mais fortes e preocupam pais e professores.alfabetização.


Aprender é o mais importante

Escrever com a letra cursiva é importante, mas ainda é preciso garantir que a criança seja alfabetizada e adquira conhecimento. A opinião é da psicopedagoga Priscilla Santana Van Kan.

Em seu consultório, ela recebe crianças com problemas de escrita, encaminhadas por neurologistas, Escolas e pais. “O primeiro passo é avaliar a escrita. Muitas vezes ajuda trocar a letra cursiva pela de forma em caixa alta, que permite melhor visualização”, diz.


Se pudesse optar, João Pedro Castanha, 9 anos, só escreveria com a letra de forma. A mãe dele, a comerciante Ivone Castanha, 51 anos, diz que o uso da letra cursiva foi tão exigido do menino em seus primeiros anos na Escola que acabou levando a um trauma.


“Ele ficou revoltado. Quando tem lição de casa, tem medo e diz que não vai conseguir. Só saem rabiscos”, diz. O dia a dia na Escola estava tão estressante – o menino repetiu o ano duas vezes –, que agora ele tem acompanhamento profissional.


“Quando era pequeno, não cobravam dele a parte motora. Depois, passaram a focar na letra cursiva e deixaram de lado o conhecimento. Neste ano já me disseram que vão passá-lo, pois ele está bem triste em ver os amigos passando de ano e ele não, mas nem sei se é a melhor ideia. Ao menos com o acompanhamento profissional ele parece estar melhorando”, conta Ivone. 


Deixar de escrever usando a letra de mão é prejudicial às crianças? Essa é uma discussão que divide os especialistas. Para a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutora em Educação Araci Asinelli da Luz, a escrita é importante para desenvolver a psicomotricidade fina, fundamental para o desenvolvimento psicomotor.


“Veja a dificuldade que alguns adultos e idosos, ao ingressar no EJA [Educação de Jovens e Adultos], apresentam ao segurar um lápis ou caneta pelo fato de não terem desenvolvido esta habilidade na idade propícia. Quanto mais estimulado o cérebro, mais sinapses ele faz, aumentando sua capacidade. E o olhar e o uso das mãos, em especial os polegares, têm grande influência no desenvolvimento das sinapses”, diz. 


Por sua vez, o psicólogo e doutorando em Educação pela UFPR Maurício Wisniewski, afirma que mesmo com a diminuição do uso da escrita, as habilidades manuais continuam sendo exercitadas. “Outras coisas dependem hoje de manejo tanto quanto escrever a caneta ou lápis. Jogar videogame e escrever em computadores e tablets exige habilidade motora para segurar e tocar a tela”, diz.


Substituição da escrita ocorre gradualmente

No Brasil, as crianças começam a identificar as letras e a escrevê-las usando a letra de forma, mas depois precisam adotar a cursiva. A escolha deveria ser do aluno, diz a pedagoga Evelise Portilho, coordenadora do curso de Psicopeda­­gogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

“Não há lógica dizer que ela deve começar com a cursiva e não pode usar a outra, ou o contrário. Não há fator claro que comprove que uma letra é mais benéfica que a outra para a aprendizagem”, diz.


Para a mestre em Educação e Profissionalização e especialista em Metodologia do Ensino Margarete Terezinha de Andrade Costa, professora da Estácio, um tipo não deve substituir o outro.


“Não há necessidade de se eliminar a letra cursiva em razão do aumento do uso da letra de forma. As duas devem conviver. A letra de forma é o suporte da comunicação digital, mas em várias situações aparecerá a letra cursiva e todos devem ter a oportunidade de conhecer e usar”, diz.


Margarete lembra também que, na escrita, não se pode esquecer da legibilidade e da diferenciação de letras maiúsculas e minúsculas, que devem ser respeitadas por conta da normatização da língua.


A letra de mão é usada sobre o papel há cerca de 7 mil anos e há algumas décadas uma letra bem desenhada era um sinal de status. “Hoje o status está mais ligado a pessoa ser midiática, ter redes sociais e ferramentas tecnológicas. Nos últimos anos as pessoas estão cada vez com mais dificuldade em usar o caderno e a letra cursiva e raramente estão preocupadas com a estética da letra”, afirma o psicólogo Maurício Wisniewski. 


Entre vantagens e desvantagens de ambos os lados, em vez de serem vistos como vilões, os recursos tecnológicos podem ser vistos como parceiros da escrita, segundo Margarete.


“Eles possibilitaram o aumento do ato de escrever e os jovens comunicam-se pela escrita cada vez mais. Mesmo cometendo erros gramáticos severos, deve-se considerar que o ato de comunicação está realizando-se com eficiência. Erros ortográficos são mais fáceis de corrigir que bloqueios na comunicação”, afirma.

Um comentário:

Unknown disse...

Concordo com o que diz a Especialista Margarete Terezinha de Andrade Costa, professora da Estácio, quando afirma que um tipo de letra não deve substituir o outro, pois ambos têm suas especificidades.